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Opinião - O notório e descarado uso de viaturas policiais em atividades particulares deve passar batido?
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Publicado em 12/08/2023

Antonio Moraes

A cultura do uso, para fins particulares, de viaturas policiais em nosso Estado é um problema estrutural. É uma manifestação do forte patrimonialismo que permeia a administração pública. 

Patrimonialismo é o termo utilizado para se identificar um estilo de administração do Estado. Foi trazido para o Brasil pelos portugueses. Consiste na não distinção entre o que era bem público e o que era bem privado. 

Esse estilo de administração atualmente não tem respaldo legal. A prática de gestão patrimonialista é considerada ilícita e se consubstancia na realização de atos de improbidade administrativa, previstos na Lei nº 8.429/1992.

Em Sergipe, são recorrentes as notícias de policiais, em especial delegados, utilizando viaturas policiais em serviços particulares.
Na manhã de quinta-feira, 10 de agosto, noticiou-se, em vários veículos de comunicação, que um delegado se envolveu em um imbróglio com travestis. 

Estas teriam lhe subtraído objetos pessoais e a chave da viatura policial conduzida pelo policial. Estranhamente, não se tem informação do registro do boletim de ocorrência, nem das oitivas dos policiais militares que deram suporte ao delegado, tão pouco este foi ouvido em termo de declarações. 

Circulou em grupos de WhatsApp o recorte do histórico dos fatos do Relatório de Ocorrência Policial – ROP - feito pelos policiais militares. Neste histórico dos fatos, não há informações de em qual contexto se deu a subtração dos objetos do delegado pelas travestis. 

Especulou-se, nas redes sociais, que as travestis subtraíram os objetos como uma forma de forçar o policial a pagar pelos serviços sexuais prestados por elas e não pagos.

Na manhã de 29 de julho, noticiou-se, em vários veículos de imprensa, a prisão em flagrante de um delegado por conduzir veículo sob efeito de álcool. 

Esse veículo, segundo relatório dos policiais militares que realizaram a prisão e a condução de todos envolvidos à Central de Flagrantes, tratava-se de uma viatura da Polícia Civil: uma caminhonete, modelo S10, marca Chevrolet, com placa de segurança. 

O número do chassi do veículo informou que ele pertence a uma empresa que aluga veículos para a Secretaria de Estado de Segurança Pública de Sergipe. Mesmo sendo um veículo alugado, por estar alugado à SSP/SE, deve ser considerado um veículo oficial, uma viatura policial.

Sobre esse episódio, foi noticiado pela imprensa que o Ministério Público oferecerá possibilidade de acordo de não persecução penal com o delegado. 

Estranhamente, não há qualquer informação acerca de providências tomadas pelo órgão de controle externo da atividade policial para apurar os fortes indícios de prática de ato de improbidade administrativa pelo delegado flagrado usando viatura em atividade particular, bem como da autoridade que permitiu essa conduta. Circulou em grupos de WhatsApp de policiais mensagem apócrifa que relembrava.

Outras situações de acidentes automobilísticos envolvendo delegados, supostamente, sob efeito de álcool, conduzindo viaturas policiais, em atividades particulares, são notórias. Relembremos de algumas.

Primeira. O acidente ocorrido em rodovia, localizada no município de Lagarto, que resultou na morte de um casal de feirantes. A imprensa mostrou que havia garrafas de whisky no interior da viatura policial utilizada pelo delegado que retornava de uma festa.

Segunda. O acidente havido na Rodovia dos Náufragos, que resultou em vítimas não fatais e prejuízos materiais. Um delegado, dirigindo uma viatura policial - uma caminhonete -, ao sair da festa Odonto Fantasy, colidiu com outros veículos, ferindo gravemente pessoas. 

Nesse episódio, não foi feita a prisão em flagrante do delegado bêbado, tão pouco foi realizado o bafômetro. E para piorar, o então delegado-geral, mesmo antes de qualquer apuração, concedeu diversas entrevistas informando que o delegado alcoolizado estava “autorizado” a utilizar o veículo por estar em uma suposta “investigação”. Um papelão.

Terceira. O acidente provocado por mais um delegado bêbado que havia acabado de sair de uma confraternização organizada pela Associação de Delegados de Sergipe -Adepol. 

Quando passava na avenida Beira Mar, na altura do Farol do bairro Farolândia, conduzindo uma viatura, coincidentemente, outra caminhonete, colidiu com um veículo, ferindo um adolescente e levando a óbito um motorista de aplicativo.

Nesse caso, o delegado foi “resgatado” por policiais civis do local do fato. Este também não foi preso em flagrante e não foi submetido ao bafômetro.

Quarta. O flagrante foi feito por policiais militares do filho de um secretário de Estado conduzindo uma viatura policial -outra caminhonete - e portando armamento da Polícia Civil. Não foi registrada prisão em flagrante. 

As armas em poder do rapaz foram levadas por capatazes do secretário, pai do rebento. Este respondeu posteriormente a processo criminal. Incrivelmente, o secretário com quem estavam custodiadas a viatura e as armas não foi exonerado e regiamente responsabilizado pelo “descuido”.

Em todos esses eventos particulares, os veículos envolvidos eram viaturas policiais, em geral, caminhonetes locadas. Tudo “autorizado” pelos “(maus) gestores”.

Uma viatura policial, caracterizada ou não, é um bem público, devendo, portanto, ser utilizada, segundo legislação de trânsito, ou para atender ocorrências levadas às polícias pela população, ou para realizar tarefas administrativas dos órgãos policiais. Sua finalidade é objetiva e estritamente pública.

A lei que trata de atos de improbidade administrativa diz que consistem em atos de improbidade administrativa a prática de atos que importem enriquecimento ilícito, a utilização, em obra ou serviço particular, de qualquer bem móvel, de propriedade ou à disposição de qualquer de órgãos públicos. (Lei nº 8.429/1992, art. 9º, inciso IV).

Por que o Ministério Público, que deve agir de ofício, nada fez para apurar as responsabilidades dos policiais e dos gestores acerca de todos esses fatos de farto conhecimento público? 


Por que não se instaurou notícias de fato ou inquéritos civis públicos para apurar a notória prática de improbidade administrativa? Qual o motivo de gritante omissão?

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