O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.” A célebre frase de Martin Luther King se encaixa perfeitamente no cenário atual da democracia digital brasileira. Em um dos julgamentos mais relevantes das últimas décadas, o Supremo Tribunal Federal decidiu, nesta semana, pela inconstitucionalidade parcial do artigo 19 do Marco Civil da Internet.
Na prática, a Corte abriu caminho para que plataformas digitais como Meta, Google e Tiktok possam ser responsabilizadas civilmente mesmo sem ordem judicial prévia, sempre que se omitirem na remoção de conteúdos gravemente ilícitos. A decisão é um divisor de águas na responsabilização das chamadas Big Techs, mas escancara um problema que pode ter consequências diretas nas eleições de 2026 a absoluta ausência de diretrizes específicas para o processo eleitoral.
Ao firmar a tese de que as plataformas devem responder por omissões em relação a conteúdos como pornografia infantil, terrorismo, discursos de ódio e atos antidemocráticos, o STF impôs um novo dever de cuidado a esses gigantes digitais. Agora, caberá às empresas agir de forma preventiva e diligente para evitar a propagação de mensagens que violem direitos fundamentais.
Nesse sentido, é preciso observar que a decisão do STF cria um paradoxo: de um lado, impõe às plataformas um dever de remoção imediata de conteúdos ilícitos; de outro, não oferece garantias de que essa remoção será feita com critérios objetivos e respeito à liberdade de expressão política. E mais: deixa em aberto quem fiscaliza a fiscalização.
A moderação privada de conteúdo político, em um cenário eleitoral acirrado, pode se tornar instrumento de censura seletiva, exclusão arbitrária e desequilíbrio entre candidaturas. O risco de injustiças é real, e o tempo para corrigir as distorções é curto. Na arena eleitoral, um post derrubado injustamente pode custar um mandato.
Um dos pontos sensíveis do julgamento está justamente no que não foi dito. Embora o Supremo tenha delineado um novo modelo de responsabilização civil para conteúdos digitais, a decisão não abordou o tratamento jurídico da desinformação e dos abusos comunicacionais no período eleitoral. Não houve qualquer menção expressa ao contexto das campanhas, à propaganda eleitoral digital ou aos limites de atuação das plataformas diante de ataques a candidatos e instituições.
A ausência de parâmetros objetivos para o uso político das redes sociais, justamente num momento em que a internet se consolidou como principal arena do debate público e das disputas eleitorais, representa um silêncio que preocupa e que pode fragiliza a segurança jurídica do processo democrático.
A omissão do Congresso Nacional em estabelecer uma legislação específica que regulamente o uso das redes sociais no contexto eleitoral é, nesse cenário, especialmente grave. A ausência de regras claras sobre a atuação das plataformas digitais durante o período de campanhas compromete diretamente a integridade do processo democrático.
O país permanece refém de uma lógica de improviso, em que Resoluções do TSE e decisões judiciais pontuais buscam suprir, um vazio normativo que deveria ser preenchido por lei. O reflexo imediato dessa lacuna é um sistema eleitoral vulnerável à manipulação digital, marcado por insegurança jurídica e pela falta de previsibilidade mínima para candidatos, eleitores e as próprias instituições responsáveis pela condução do pleito. A ausência de parâmetros específicos para a propaganda digital e para o combate à desinformação eleitoral deixa o sistema dependente do poder normativo do TSE e da eventual aprovação do novo Código Eleitoral. Até lá, seguimos presos a resoluções administrativas e interpretações fragmentadas, em um cenário que clama por estabilidade normativa e proteção efetiva à integridade do pleito.
Em síntese, a decisão do STF representa um passo necessário, mas ainda incompleto. Sem regras claras para o jogo eleitoral, seguimos expostos a decisões judiciais fragmentadas, diretrizes privadas das plataformas e Resoluções do TSE. Para as eleições de 2026, o que se projeta é um cenário de tensão permanente entre o dever de conter a desinformação e o direito à livre manifestação política, entre o poder invisível dos algoritmos e a fragilidade visível da nossa legislação.
No silêncio das instituições que deveriam legislar, o processo democrático se desenrola sobre bases instáveis, sujeito à improvisação. O desafio, agora, é transformar esse vácuo normativo em ação institucional concreta, antes que a instabilidade se naturalize e comprometa, silenciosamente, a legitimidade do processo democrático.
Sobre o autor
Wesley Araújo é advogado, especialista em Direito Constitucional e Direito Eleitoral, atualmente mestrando em Direitos Humanos. Além de sua destacada atuação na advocacia, é também radialista e palestrante reconhecido na área de comunicação assertiva, onde desenvolve treinamentos, palestras e cursos voltados ao aprimoramento da comunicação pessoal e profissional. Atua como comentarista jurídico e político, unindo sua sólida formação acadêmica à habilidade prática de traduzir temas complexos para uma linguagem clara, objetiva e acessível ao grande público.
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