Após dez anos, as discussões de políticas públicas, cidadania e enfrentamento à discriminação no Rio de Janeiro recuperam nesta quarta-feira (6) a Conferência Estadual dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+. A quarta edição do fórum de articulação popular ocorrerá entre esta quarta-feira (6) e sábado (9), no Centro de Convenções Bolsa Rio, no centro da cidade. 

O evento representa a convergência de 11 conferências realizadas em todas as regiões do estado do Rio, entre abril e julho deste ano, e vai reunir 700 pessoas delegadas eleitas nos encontros regionais. Para os organizadores, isso representa um importante marco para a democracia participativa. Após as conferências estaduais, o país realizará a Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+.
“É de enorme potência ter tantas representações de um mesmo estado, em uma conferência estadual. Se pensarmos, temos mais 80% dos municípios do Rio de Janeiro representados na conferência estadual. Sem nenhuma arrogância, posso dizer que a conferência do estado do Rio de Janeiro hoje é o maior processo de conferência realizado em um estado brasileiro. Foram 11 conferências regionais com a participação de quase 2 mil pessoas”, analisou o presidente do Grupo Arco-Íris, Cláudio Nascimento, em entrevista à Agência Brasil, explicando ainda que o papel do delegado é “representar os anseios e desejos do que foi aprovado de sugestões de políticas públicas específicas para as cidades da região, para o estado e para o governo federal”.
Na iniciativa promovida pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, por meio do Programa Estadual Rio Sem LGBTIfobia e com cooperação técnica do Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBTI+ e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), os participantes vão fazer uma avaliação das atuais políticas públicas e, pensando no futuro, vão discutir e elaborar diretrizes para os planos municipais, estadual e federal, com base na promoção de direitos e cidadania para a população LGBTQIA+, além do enfrentamento à violência e à discriminação.
Os debates serão em torno dos temas:
- educação;
- saúde integral;
- segurança pública;
- trabalho e renda;
- cultura e memória;
- meio ambiente;
- assistência social;
- esporte e lazer;
- turismo e
- acesso à tecnologia e inovação.
“Não dá para a gente aceitar mais que 80 % da comunidade LGBTI+, no Rio e no Brasil, relatem já ter sofrido algum tipo de discriminação ou de violência em razão da sua identidade de gênero e da sua orientação sexual. É preciso mudar esse quadro, essa realidade”, relatou o presidente.
Plano estadual e municipal
O presidente do grupo Arco-Íris lamentou o hiato entre as conferências, inauguradas em 2008 no segundo governo Lula. “Isso foi um momento muito sério de silenciamento do Estado brasileiro com as políticas públicas para a comunidade LGBTQIA+”, pontuou à Agência Brasil.
“Esperamos que esses momentos de debate e de reflexão sobre as políticas públicas para a comunidade sejam efetivados, a partir do que a comunidade, gestores e gestoras, aqui do Rio de Janeiro, possam colaborar. Tanto para a construção do plano estadual de cidadania LGBTQIA+ quanto para uma ação que produza também articulação no nível dos municípios para criar o plano municipal”, defendeu, incluindo a necessidade de formas de financiamento para os municípios desenvolverem essas políticas públicas.
“É nas cidades que acontece a vida das pessoas. É lá que elas ou são tratadas com dignidade ou são excluídas do processo”.
Para o superintendente de Políticas Públicas LGBTI da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos (SEDSODH), Ernane Alexandre, o motivo da Conferência não ser realizada por 10 anos foi político. “Tivemos governos que não eram abertos ao diálogo e a nossa pauta LGBT, simples assim”.
Segundo Ernane Alexandre, por ter políticas públicas para esta população, o Rio de Janeiro está à frente de outros estados do país. “Nos outros estados, há uma deficiência ainda. Isso falando do Norte e Nordeste, mas, no Sul e Sudeste, a gente avançou bastante em relação às políticas públicas”, informou.
Segundo ele, no estado do Rio, as ações têm se espalhado para o interior do estado. “Aqui, no Rio de Janeiro, eu vejo, cada vez mais, uma interiorização desse programa. A gente sai da capital e consegue estar, por exemplo, no interior do Rio de Janeiro trabalhando essa política. Hoje, o Programa Rio Sem LGBTIfobia tem 23 equipamentos espalhados nos municípios [do estado]”, afirmou o superintendente, que disse que o programa atende, aproximadamente, 25 mil pessoas por ano nas áreas jurídica, serviço social e psicologia.
"Hoje, vejo um avanço no Rio de Janeiro, que ganhou, em 2023, pelo projeto de estudo Atena, como o estado mais vanguardista na política pública. Dos 26 estados mais o DF, ocupamos o primeiro lugar”, comemorou, acrescentando que o Rio tem uma política pública de fato, com o apoio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos, além da atuação do Conselho Estadual LGBT, que foi criado em 2009 e é muito atuante. “É uma pena, porque eu queria que todos os estados tivessem essa potência que é o Rio de Janeiro hoje”, concluiu.
Emprego e educação
Apesar dos avanços, Ernane Alexandre identificou problemas que ainda precisam ser resolvidos. “A nossa comunidade LGBTQIA+ ainda necessita de um olhar mais apurado em questões de empregabilidade. A gente precisa muito ver também a assistência social. Muitos ainda vivem em situação de rua, e a gente precisa de abrigamentos, acolhimentos e casas de passagem para a nossa população. Também precisa muito discutir a educação de uma forma ampla, igualitária para todos nós. Precisamos ter cotas para pessoas trans nas universidades, precisamos fazer que a nossa população termine o ensino médio, para poder seguir para o mercado de trabalho. Avanços, tivemos, mas também precisamos olhar os desafios”, apontou.
Conforme o presidente do grupo Arco-Íris, o conjunto de propostas para fortalecer a política estadual de cidadania LGBTQIA+, que resultará das discussões dessa Conferência, vai subsidiar a etapa nacional, marcada para ocorrer entre os dias 21 e 25 de outubro, em Brasília.
Apresentações
A programação do encontro tem ainda manifestações culturais. Na abertura, às 18h, liberada ao público, com a presença de autoridades e lideranças LGBTQIA+, haverá apresentação do Coro de Câmara LGBTI do Rio de Janeiro e a inauguração da Feira de Empreendedorismo “Empodera LGBTQIA+”, com 20 expositores e atrações como desfiles de moda sustentável e pocket shows.
“Há também a apresentação da cantora lésbica Leila Maria, jazzista que acompanha o movimento LGBTQIA+ desde a década de 90. Uma mulher negra, 50+, reconhecida, que vai encerrar a atividade da conferência”, adiantou o presidente do Grupo Arco-Íris.
Nos dias 7 e 8 de agosto, o público vai poder assistir, às 18h30, no Auditório do Paço, a pré-estreia do espetáculo Siriocra – o show da diversidade. Protagonizado por pessoas LGBTQIA+, o espetáculo é dividido em três atos: Alegria, Protesto e Esperança, em um processo criativo coletivo para celebrar a arte como instrumento de resistência e afirmação de identidades.
“Esse espetáculo narra as trajetórias da comunidade LGBTQIA+ nos últimos 40 anos, nas buscas por direitos, por autoaceitação e por dignidade na sociedade. É um espetáculo show, que mistura teatro, música e performance, e tem envolvidos 70 atores no palco”, revelou Nascimento.